Avaliação penal de lesões dentais por peritos odontolegistas de Instituto Médico Legal - Brasil

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Avaliação penal de lesões dentais por peritos odontolegistas de Instituto Médico Legal - Brasil

 

Evaluación penal de lesiones dentales por expertos odontolegistas de Instituto Médico Legal - Brasil

 

Assessment of dental injuries by forensic odontology experts from the Legal Medicine Institute, Brazil

 

 

Christiano Sampaio Queiroz,I Rodrigo Galo,II Marta Regina Pinheiro Flores,I Adrielly Garcia Ortiz,I Ricardo Henrique Alves da SilvaI

I Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto. Brasil.
II Departamento de Odontologia, Faculdade de Ciências Biológicas e Saúde-Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: o Código Penal Brasileiro tipifica, em seu artigo 129, o crime de lesão corporal como sendo a ofensa à integridade corporal ou a saúde de outrem. As penas previstas para este crime são graduadas de acordo com o resultado gerado pela lesão, sendo este estabelecido por meio do exame pericial requisitado pela autoridade competente. As lesões dentais são frequentes neste tipo de exame, sendo que as suas resultantes, expressas no Código Penal Brasileiro, são muito discutidas no âmbito pericial, existindo muitas divergências entre examinadores distintos.
Objetivo: verificar a interpretação penal de lesões em dentes ântero-superiores por Peritos Oficiais Odontolegistas do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (Salvador, Bahia, Brasil).
Métodos: foram analisados 2 738 laudos emitidos no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2011, por estes peritos nesse intervalo de cinco anos. O critério de inclusão foi a descrição de acometimento de dente permanente na região ântero-superior e o critério de exclusão foi o não enquadramento com segurança em algum tipo de lesão especificada. A coleta de dados foi feita por um único indivíduo, o qual teve acesso aos laudos. As lesões dentais descritas nos laudos foram classificadas e codificadas, de forma a facilitar as anotações e os estudos estatísticos por meio do teste do Qui-Quadrado e teste Kappa (software R, versão 2.15.2, R Development Core Team, 2012) (p≥ 0,05).
Resultados: dos 2 738 laudos, 277 atenderam os critérios de inclusão, em que 32,16 % descreviam fraturas dentais coronárias simples, 31,72 % como fraturas complexas e 36,12 % como avulsão. Os resultados obtidos apresentaram uma forte associação entre o perito examinador e a resultante penal estabelecida, na análise de lesões dentais.
Conclusão: conclui-se que a avaliação penal das lesões dentais mostrou-se fortemente subjetiva, sendo necessários maiores estudos e discussões a respeito do tema, de forma a minimizar a subjetividade.

Palavras-chave: odontologia legal; dente; ferimentos e lesões; prova pericial.


RESUMEN

Introducción: el Código Penal brasileño tipifica en su artículo 129, el delito de lesiones corporales como la ofensa a la integridad corporal o la salud de los demás. Las penas por este delito se clasifican de acuerdo con los resultados generados por la lesión, que se establece a través de un examen forense ordenado por la autoridad competente. Lesiones dentales son comunes en este tipo de examen, y del análisis de sus resultados a partir del Código Penal brasileño, es tema de frecuentes debates entre expertos forenses, con muchas divergencias entre los distintos examinadores.
Objetivo: investigar la interpretación penal de las lesiones en los dientes anteriores superiores por expertos Oodontolegistas Oficial Forense Instituto Nina Rodrigues (Salvador, Bahia, Brasil).
Métodos: se analizaron 2 738 informes emitidos entre enero de 2007 y diciembre de 2011, por los expertos en un intervalo de cinco años. El criterio de inclusión fue la descripción de la afectación de los dientes permanentes en la región anterior superior y el criterio de exclusión fue no haber implicación segura en algún tipo de lesión especificada. La reunión de datos fue hecha por un solo individuo, que tuvo acceso a los informes. Lesiones dentales que se describen en los informes fueron clasificadas y codificadas con el fin de facilitar las notas y estudios estadísticos mediante la prueba de chi cuadrado y la prueba de Kappa (software R, versión 2.15.2, Core Development Team R, 2012) (p≥ 0,05).
Resultados: de los 2 738 informes, 277 cumplieron con los criterios de inclusión, en los cuales 32,16 % describe fracturas dentales simples coronarias, 31,72 % fracturas complejas y 36,12 % como avulsión. Los resultados muestran una fuerte asociación entre el experto forense y criminal establecido que resulta en el análisis de las lesiones dentales.
Conclusiones: se concluye que la evaluación penal de lesiones dentales era fuertemente subjetiva, lo que requiere más estudios y debates sobre el tema, con el fin de reducir al mínimo la subjetividad.

Palabras clave: odontología forense; dente; heridas y traumatismos; testimonio de experto.


ABSTRACT

Introduction: Article 129 of the Brazilian Penal Code defines the crime of bodily harm as damage to the physical integrity or the health of others. Penalties for this crime are graded in keeping with the consequences of the injury, determined by forensic examination indicated by the corresponding authority. Dental injuries are common in this type of examination, and analysis of results based on the Brazilian Penal Code is the object of frequent debate among forensic experts, with many divergences between the various examiners.
Objective: Analyze the penal interpretation of injuries to upper front teeth provided by official forensic odontology experts from Nina Rodrigues Forensic Institute (Salvador, Bahia, Brazil).
Methods: Analysis was conducted of 2 738 expert reports issued in the five-year period extending from January 2007 to December 2011. The inclusion criterion was description of injury to permanent upper front teeth, whereas the exclusion criterion was lack of certainty as to the consequences of the injury specified. Data were gathered by a single individual, who had access to the reports. The dental injuries described in the reports were classified and encoded to facilitate annotation and the performance of statistical studies based on chi-square estimation and the kappa test (R software version 2.15.2, R Core Development Team, 2012) (p≥ 0.05).
Results: Of the 2 738 reports, 277 met the inclusion criterion. Of the injuries described therein, 32.16 % were classified as simple dental crown fractures, 31.72 % as complex fractures, and 36.12 % as avulsions. Results show the close relationship between forensic experts and criminal investigators in the analysis of dental injuries.
Conclusions: Penal assessment of dental injuries was markedly subjective, requiring further study and discussion to minimize such subjectivity.

Keywords: forensic odontology; tooth; wounds and injuries; expert testimony.


 


INTRODUÇÃO

O exame de lesões corporais constitui uma das perícias realizadas pelo Odontolegista no âmbito criminal, dentro dos Institutos Médico-Legais.1 O produto final deste exame pericial é o laudo, que é o relato escrito e esmiuçado de todos os fatos, específicos e de caráter permanente, referentes a uma perícia.2 A correta emissão do laudo é essencial para o adequado tratamento dos casos criminais, uma vez que, erros em sua descrição podem acarretar falhas jurídicas graves.3

O Código Penal Brasileiro (CPB)4 tipifica, em seu artigo 129, o crime de lesão corporal, cujas penas variam de acordo com os resultados ocasionados pela produção da lesão. Dentre as resultantes descritas no CPB,4 as lesões dentomaxilares normalmente estão associadas à: incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias; debilidade permanente de membro, sentido ou função; incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; e, deformidade permanente.5

A literatura é controversa no que diz respeito à avaliação penal das lesões dentais,5-7 sendo escassas as discussões a respeito do assunto.8 Desta forma, o presente estudo teve como objeitvo verificar a interpretação penal de lesões em dentes ântero-superiores por por meio dos laudos odontológicos de lesões corporais em um Instituto Médico Legal emitidos por Peritos Oficiais Odontolegistas do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (Salvador, Bahia, Brasil), no que diz respeito à correlação estabelecida pelos peritos oficiais entre as lesões dentais e as resultantes descritas no artigo 129 do Código Penal Brasileiro.4

 

MÉTODOS

A amostra foi composta por 2 738 laudos de exame de lesões corporais, em um intervalo de cinco anos, emitidos no período de janeiro/2007 a dezembro/2011, por Peritos Oficiais Odontolegistas, lotados no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (Salvador, Bahia, Brasil). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto-USP (CAAE: 01834512.8.0000.5419).

O critério de inclusão foi que os laudos deveriam descrever lesão dental acometendo um único dente permanente na região ântero-superior, passível de ser classificada como um dos tipos de lesão especificada na tabela 1 e os critérios de exclusão foram os laudos cuja descrição da lesão não permitiu enquadrá-la com segurança em um dos tipos de lesão especificada (tabela 1); ou laudos que descreviam lesões por ação profissional; laudos complementares; e as lesões envolvendo, além da fratura coronária, uma das seguintes condições: subluxação, extrusão, luxação ou intrusão.


A coleta de dados foi feita por um único indivíduo, o qual teve acesso aos laudos, devidamente disponibilizados pelo Instituto. As lesões dentais descritas nos laudos foram classificadas e codificadas, de forma a facilitar as anotações e os estudos estatísticos.

Optou-se pela inclusão apenas das lesões dentais, em virtude de as mesmas apresentarem-se com mais frequência na demanda rotineira. Uma vez classificadas, as lesões foram correlacionadas à conclusão do perito, no que diz respeito à resultante da lesão corporal, de acordo com o estabelecido no artigo 129 do Código Penal Brasileiro.4 A resultante das lesões foi também codificada em: Código 1 (sem resultantes); Código 2 (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias); Código 3 (debilidade permanente de membro, sentido ou função); Código 4 (deformidade permanente); Código 5 (outras).

Os casos de mais de uma resultante atribuídas a uma mesma lesão foram codificados pela junção dos dois algarismos que codificavam cada uma delas: debilidade permanente de membro, sentido ou função + deformidade permanente foram codificadas como "34" - "3" correspondendo à debilidade permanente de membro, sentido ou função e "4" correspondendo à deformidade permanente. Para preservar a identidade dos peritos, estes foram também codificados por números, de "1" a "6", precedidos da letra "P". Exemplo: Perito 1 = P1.

O banco de dados foi criado no Microsoft Excel® 11.0 (Microsoft®, 2003) e analisado no software R, versão 2.15.2 (R Development Core Team, 2012), onde foi realizada a correção dos dados digitados com o objetivo de eliminar possíveis erros ou inconsistências. Foi feita uma análise descritiva (frequência absoluta/relativa), com a finalidade de identificar as características gerais e específicas da amostra estudada, por meio do teste do Qui-Quadrado (software R, versão 2.15.2, R Development Core Team, 2012). Com o objetivo de verificar o grau de concordância entre os peritos, utilizou-se o Índice Kappa (K). O nível de significância estabelecido para este trabalho foi de 5 %.

 

RESULTADOS

Dos 2 738 laudos analisados, 227 atenderam os critérios de inclusão e exclusão propostos. Destes 227 laudos, 73 laudos (32,16 %) descreviam lesões dentais que foram classificadas como fraturas coronárias simples, 72 (31,72 %) como fraturas coronárias complexas e 82 (36,12 %) como avulsões.

As fraturas coronárias simples foram interpretadas pelos Peritos como sem resultantes (27 laudos; 36,99 %); debilidade permanente de membro, sentido ou função (45 laudos - 61,64 %); debilidade permanente de membro, sentido ou função + deformidade permanente (1 laudo; 1,37 %). Não houve a ocorrência da resultante "2" (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias), nem da resultante "5" (outras).

As fraturas coronárias complexas foram interpretadas pelos Peritos como sem resultantes (1 laudo; 1,39 %); debilidade permanente de membro, sentido ou função (34 laudos; 47,22 %); deformidade permanente (3 laudos; 4,17 %); debilidade permanente de membro, sentido ou função + deformidade permanente (34 laudos; 47,22 %). Não houve a ocorrência da resultante "2" (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias), nem da resultante "5" (outras).

As avulsões foram interpretadas pelos Peritos como deformidade permanente (2 laudos; 2,44 %); debilidade permanente de membro, sentido ou função + deformidade permanente (80 laudos; 97,56 %). Não houve a ocorrência da resultante "1" (sem resultantes), "2" (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias), nem da resultante "5" (outras).

Para avaliar a concordância geral observada entre os Peritos no que diz respeito à avaliação penal das lesões dentais, foram realizados cruzamentos entre P1 e P2, P1 e P4, P1 e P6, P2 e P4, P2 e P6, P4 e P6. P3 e o P5 foram excluídos desta análise, em virtude da pouca quantidade de laudos por eles avaliados, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos por este estudo. Para esta análise, foi considerada uma mesma quantidade de laudos por peritos perante um mesmo tipo de lesão. O grau de concordância foi mensurado pelo Índice Kappa e admitiu-se significância estatística para p< 0,05. Desta forma, a tabela 2 expressa os resultados obtidos por esta avaliação.


Foi realizada também a avaliação da concordância entre os Peritos, no que diz respeito à avaliação penal das lesões dentais, de acordo com o tipo de lesão dental observada. Para isto, foram realizados cruzamentos entre P1 e P2, P1 e P4, P1 e P6, P2 e P4, P2 e P6, P4 e P6, para uma mesma lesão, sendo P3 e P5 excluídos desta análise, pelo mesmo motivo da avaliação anterior. Para estas análises, da mesma forma que a anterior, foi considerada uma mesma quantidade de laudos por peritos perante um mesmo tipo de lesão. O grau de concordância foi mensurado pelo Índice Kappa e admitiu-se significância estatística para p< 0.05. Desta forma, as tabelas 3 e 4 expressam a concordância observada entre os peritos, diante de fraturas coronárias simples e fraturas coronárias complexas, respectivamente. Para as avulsões dentais houve para todas as correlacoes impossibilidade matemática de cálculo.




 

DISCUSSÃO

A classificação penal das lesões bucomaxilofaciais é um assunto bem controverso, com exceção às fraturas ósseas, em que há um consenso entre os autores, no sentido de classificá-las no inciso de incapacidade permanente para as ocupações habituais, por mais de trinta dias,5 o que foi, inclusive, observado durante a coleta de dados neste estudo. No entanto, quando as lesões bucomaxilofaciais estão relacionadas aos dentes, surgem conflitos quanto a sua classificação penal.

A avaliação de laudos emitidos por Peritos Oficiais Odontolegistas, que passaram por um mesmo curso de formação durante as etapas de um concurso público para o provimento do cargo,9 exclui, ou ao menos diminui, teoricamente, a possibilidade de descrições absurdas de lesões dentais, como o evidenciado no trabalho de Garbin et al.,10 que citam algumas descrições feitas por Peritos Médico-Legistas. Nuzzolese e Čuković-Bagić11 afirmam que, em casos que envolvam os dentes, o Médico-Legista não deve trabalhar de forma isolada, sem a presença do Odontolegista, em consonância com a Lei 12030/2009.12

Os tipos de lesão consideradas no presente trabalho restringiram-se a fratura coronária simples, fratura coronária complexa e avulsão dental, por serem as lesões mais frequentemente constatadas na rotina pericial penal. Somente foram incluídas neste estudo, as lesões cujas descrições nos laudos periciais permitiram classificá-las em um destes três tipos de lesão, de acordo com o já explicitado na metodologia. Ou seja, na dúvida, a exclusão.

O presente trabalho, que considerou somente as fraturas coronárias e avulsões dentais, constatou similaridade com o trabalho de Costa13 na ordem de frequência destas lesões dentais. Em ambos, houve uma prevalência maior de fraturas (63,88 % e 50 %, respectivamente) seguidas das avulsões (36,12 % e 33,3 %, respectivamente). O mesmo se observa no trabalho de Silveira, 14 com o somatório das frequências das lesões dentais maxilares, mandibulares e maxilo-mandibulares indicando maior ocorrência de fraturas dentais, seguidas das avulsões. Corroborando, ainda, temos Chiaperini et al.15 que mostraram maior frequência das fraturas dentais seguidas das avulsões em sua avaliação do dano bucomaxilofacial em mulheres. Já o trabalho de Rahimi-Nedjat et al.16 inverte essa frequência, encontrando um percentual de avulsões dentais superior ao das fraturas coronárias, em pacientes internados com lesões traumáticas em face.

Chiaperini et al.15 constataram 1058 laudos periciais relacionados a danos bucomaxilofaciais em mulheres, no IML de Ribeirão Preto (São Paulo), em um período de cinco anos. Deste total, 90,9 % referiam-se a lesões leves, 1,9 % a lesões graves e 0,6 a lesões gravíssimas. Em contraste com estas duas autoras, as lesões leves, no presente trabalho, foram as menos observadas (12,34 %); as graves tiveram uma frequência intermediária (34,80 %) e as gravíssimas foram maioria (52,86 %).

Garbin et al.10 constataram, ao analisarem lesões dentais avaliadas por Peritos Médico-Legistas, que 86,7 % foram classificadas como leves e 14,3 % como graves, destoando do presente estudo. Estes autores afirmam, ainda, que a tendência em classificar lesões dentais como "leves" contraria o seu entendimento, uma vez que, o elemento dental constitui um órgão, sendo que a perda deste ou de sua função configura lesão grave, encontrando resguardo na legislação brasileira.

O presente trabalho avaliou, também, a concordância observada entre os Peritos Odontolegistas..Desta forma, observou-se que entre P1 e P2 e entre P2 e P4, houve um grau de concordância baixo; entre P1 e P6 e entre P4 e P6, houve um grau de concordância moderado; entre P1 e P4 e entre P2 e P6, houve um grau de concordância substancial.

Percebe-se, com estes resultados, que P6 foi o perito mais consensual. Dos três cruzamentos, manteve uma concordância moderada com dois peritos (P1 e P4) e uma concordância substancial com um perito (P2). No outro extremo, tem-se P2, o qual, dos três cruzamentos, manteve uma concordância pobre com dois peritos (P1 e P4) e uma concordância substancial com um perito (P6). Observa-se, também, claramente, a maior convergência de opiniões entre P1 e P4 e entre P2 e P6.

Pode-se inferir que a interpretação penal das lesões dentais mais frequentes na rotina pericial criminal (fraturas e avulsões dentais), por estes peritos, não foi homogênea. Isto, na prática, corresponde a dizer que lesões dentais similares (não se pode dizer iguais, já que as lesões avaliadas pelos peritos não foram as mesmas, no mesmo indivíduo), acometendo um único dente na região ântero-superior, são categorizadas em resultantes penais diferentes, a depender do perito que as examina. Este fato pode conduzir o Juiz a tipificar o crime e aplicar penalidades de forma bastante distintas para lesões semelhantes.

Ao verificar o grau de concordância entre os peritos, de acordo com cada lesão especificamente foi observado que em nenhuma destas análises, o grau de concordância teve significância estatística, em virtude da segmentação da amostra e, consequentemente, sua diminuição numérica. Adicionalmente, alguns graus de concordância não foram matematicamente passíveis de cálculo, em virtude de uma das seguintes ocorrências: um dos peritos qualificou todas as lesões em um só tipo de resultante; os dois peritos qualificaram todas as lesões em um só tipo de resultante. Mas, apesar da não significância estatística, que sejam feitas algumas observações, visto que o observado nestas análises reflete o que foi constatado na primeira análise, esta estatisticamente significante.

Esses dados podem sugerir que as fraturas coronárias são as lesões dentais que mais variabilidade têm no estabelecimento das resultantes penais por diferentes peritos, enquanto que, nas avulsões dentais, a convergência das opiniões periciais, no que diz respeito à sua qualificação penal, é quase perfeita.

Na tentativa de tornar mais homogênea a avaliação pericial de lesões dentais, existem quadros de valores e percentuais estéticos, fonéticos e mastigatórios de cada grupo de dentes. Estes quadros, entretanto, apresentam-se como referências estáticas e pontuais, devendo a perícia odontolegal ser muito mais abrangente, descrevendo detalhadamente as lesões dentais e suas implicações particulares caso a caso, relacionando o(s) dente(s) traumatizado(s) com os demais, avaliando o estado anterior do periciando e, principalmente, expressando todo este conjunto de informações de forma clara e ilustrada nos laudos periciais, os quais serão base para a autoridade judiciária, a qual não possui conhecimento técnico e científico na área odontológica.8

No entanto, não é isto o que se tem observado na prática. No presente trabalho, por exemplo, um grande número de laudos foi excluído do estudo em função de uma descrição insuficiente ou duvidosa da lesão. Muitos laudos não continham fotografias ou ilustrações e, apesar deste não ser um critério de exclusão, o registro fotográfico auxiliaria, em muito, o processo de classificação das lesões, além de se fazer ilustrativo o que se está escrito. Pimenta et al.,3 por fim, afirmam que a correta emissão do laudo é essencial para o adequado trata­mento dos casos criminais, uma vez que erros em sua descrição podem acarretar falhas jurídicas graves.


CONCLUSÕES

Os laudos odontológicos de lesões corporais analisado, no que diz respeito à correlação estabelecida pelos peritos oficiais entre as lesões dentais e as resultantes descritas no artigo 129 do Código Penal Brasileiro, apresentam-se heterogêneos e com diferentes graus de subjetividade.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram que não há conflito de interesse.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Coutinho CGV, Ferreira CA, Queiroz LR, Gomes LO, Silva UA. O papel do Odontolegista nas perícias criminais. FRO, Passo Fundo. 2013 [Acesso em: 26 dez. 2011];18(2):217-23. Disponível em: http://revodonto.bvsalud.org/pdf/rfo/v18n2/a17v18n2.pdf

2. Silva RF, Portilho CDM, Daruge Júnior E, Prado MM, Garcia RR. Responsabilidade profissional no atendimento de pacientes com traumatismo dentário. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-fac. 2009 [Acesso em: 26 dez. 2011];9(1):53-8. Disponivel em: http://www.revistacirurgiabmf.com/2009/v9n1/07.pdf

3. Pimenta RMC, Matos FRRO da Silva MLCA, Rodrigues AAAO, Jeidson Marques JAM, Musse JO. Levantamento de lesões na região bucomaxilofacial em vítimas de violência periciadas no Instituto Médico Legal (IML) de Feira de Santana-BA, entre 2007 e 2009. Arq. Odontol 2013 [Acesso em: 26 dez. 2011];49(4):154-61. Disponivel em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=BBO&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=42528&indexSearch=ID

4. Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940: Código Penal Brasileiro. [Acesso em: 26 dez. 2011]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm

5. Cardoso HF. Avaliação médico-legal das lesões do complexo maxilo-mandibular. In: Silva M. Compêndio de Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Medsi; 1997.

6. Diangelis AJ, Andreasen JO, Ebeleseder KA. International Association of Dental Traumatology guidelines for the management of traumatic dental injuries: 1. Fractures and luxations of permanent teeth. Dental Traumatol. 2012 [Acesso em: 26 dez. 2011];28:2-12. Disponivel em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22230724

7. Croce D, Croce Júnior D. Manual de Medicina Legal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva; 2012.

8. Balachander N, Babu NA, Jimson S, Priyadharsini C, Masthan KM. Evolution of forensic odontology: An overview. J Pharm Bioallied Sci. 2015 [Acesso em: 26 dez. 2011];7:S176-80. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26015703

9. Brasil. Lei n. 12.030 de 17 de setembro de 2009. Dispõe sobre as perícias oficiais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília.

10. Garbin CAS, Rovida TAS, Garbin AJI, Saliba O, Dossi AP. A importância da descrição de lesões odontológicas nos laudos médico-legais. RPG Rev Pós Grad. 2007 [Acesso em: 26 dez. 2011];15(1):59-64. Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=BBO&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=31162&indexSearch=ID

11. Nuzzolese E, Čuković-Bagić I. Expert witnesses in dentistry: A comparison between Italy and Croatia. J Forensic Odontostomatol. 2012 [Acesso em: 26 dez. 2011];3030(Suppl 1):29-39. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23221264

12. Brasil. Lei nº 12.030, de 17 de setembro de 2009. Dispõe sobre as perícias oficiais e dá outras providências. [Acesso em: 26 dez. 2011]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12030.htm

13. Costa MCF, Cavalcante GMS, Nóbrega, LM, Oliveira, PAP, Cavalcante JR, d'Ávila S. Facial traumas among females through violent and non-violent mechanisms. Braz J Otorhinolaryngol. 2014 [Acesso em: 26 dez. 2011];80(3):196-201. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25153102

14. Silveira EMSZF. A importância do Odontolegista dentro do Instituto Médico-Legal. Rev Bras Med Trab. 2013 [Acesso em: 26 dez. 2011];11(1):34-9. Disponivel em: http://www.anamt.org.br/site/upload_arquivos/revista_brasileira_de_medicina_do_trabalho_volume_11_n%25C2%25BA_1_11122013173387055475.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

15. Chiaperini A, Bérgamo AL, Bregagnolo LA, Bregagnolo JC, Watanabe MGC, Silva RHA. Danos bucomaxilofaciais em mulheres: registros do Instituto Médico-legal de Ribeirão Preto (SP), no período de 1998 a 2002. Rev Odonto Ciênc. 2009 [Acesso em: 26 dez. 2011];24(1):71-6. Disponivel em: http://www.ricardohenrique.com.br/artigos/odontociencia-violencia.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

16. Rahimi-Nedjat RK, Sagheb K, Walter C. Concomitant dental injuries in maxillofacial fractures - a retrospective analysis of 1219 Patients. Dental Traumatol. 2014 [Acesso em: 26 dez. 2011];30(6):435-41. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24890672

 

 

Recibido: 21 de abril de 2016.
Aprobado: 24 de mayo de 2017.

 

 

Christiano Sampaio Queiroz. Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto. Brasil. Correo electrónico: chrqueiroz@gmail.com