As principais lesões enegrecidas da cavidade oral

REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA

 

As principais lesões enegrecidas da cavidade oral

 

Las principales lesiones ennegrecidas en cavidad oral

 

Main blackened lesions of the oral cavity

 

 

Dr. Rodrigo Gadelha Vasconcelos,I Est. Ilnara de Souza Moura,I Est. Layssa Karolinne da Silva Medeiros,I Dr. Daniel Souza de Melo,II Dr. Marcelo Gadelha VasconcelosI

I Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Brasil.
II Universidade Potiguar UnP, Serviço de Cirurgia e Traumatologia do Hospital Santa Paula, Paulistano SP, Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: as lesões pigmentadas podem ser encontradas na cavidade oral, essas pigmentações são provenientes de diversos fatores, tais como, locais, sistêmicos, fisiológicos ou patológicos. A cor, localização, distribuição e duração são características essenciais para o diagnóstico destas lesões, não devendo- se negligenciar a história médica, odontológica e familiar, bem como o consumo de drogas. Apesar de algumas lesões apresentarem características bastante específicas que as confere um diagnóstico apenas através do exame clínico, é importante que o profissional lance mão de métodos adicionais, como biópsias e exames laboratoriais, afim de alcançar um diagnóstico confiável e consequentemente, executar o tratamento adequado.
Objetivos: essa revisão de literatura tem como objetivo discorrer sobre as principais lesões orais enegrecidas da cavidade oral, enfatizando o diagnóstico diferencial para cada uma delas, já que tal abordagem implicará diretamente na conduta profissional e no estabelecimento do tratamento adequado para cada paciente.
Métodos: para isso foi realizada uma revisão de literatura através da busca de artigos no PubMED/Medline, Lilacs e Scielo.
Resultados: a literatura estudada destacou que as lesões pigmentadas orais e maxilofaciais podem clinicamente simular o melanoma, uma lesão maligna.
Conclusões: devemos ter especial atenção durante o exame clínico deste tipo de ocorrência, saber questionar o paciente para obter informações importantes a respeito da lesão, ter conhecimento dos diferentes tipos de lesões pigmentadas que acometem a cavidade oral e face, assim como ter em mente a necessidade do exame histopatológico para se obter o diagnóstico definitivo de lesões pigmentadas suspeitas.

Palavras chave: cavidade bucal, diagnóstico diferencial, pigmentação oral.


RESUMEN

Introducción: las lesiones pigmentadas que se encuentran en la cavidad bucal pueden provenir de diversos lugares, tales como de la localidad, sistémicas, fisiológicas o patológicas. El color, la localización, la distribución y la evolución clínica son características esenciales para el diagnóstico de estas, sin pasar por alto la historia médica, la odontológica o familiar, y sin menospreciar el consumo o no de drogas. A pesar de que algunas lesiones presentan características bastante específicas que permiten establecer un diagnóstico acertado con solo un examen clínico, es importante que el profesional tenga en cuenta métodos adicionales, como biopsias y exámenes de laboratorio, con la finalidad de obtener un diagnóstico confiable y consecuentemente ejecutar un tratamiento adecuado.
Objetivos: en esta revisión bibliográfica se pretende describir las principales lesiones orales pigmentadas en cavidad bucal, enfatizando el diagnóstico diferencial para cada una de ellas, ya que tal abordaje de ellas recae directamente en la conducta del profesional, asi como también el plan de tratamiento adecuado para cada caso.
Métodos: se realizó una revisión de la literatura a través de los buscadores PubMed/Medline, Lilacs y Scielo.
Resultados: en esta revisión se destaca que las lesiones pigmentadas bucales y maxilofaciales pueden simular clínicamente un melanoma o una lesión maligna.
Conclusiones:
se debe tener especial cuidado durante el examen clínico en este tipo de lesiones, saber cómo interrogar al paciente para obtener información contundente con respecto al caso estudiado, tener conocimiento de los diferentes tipos de lesiones pigmentadas que podrían encontrarse en la cavidad bucal y en la cara, así como también la necesidad de un examen histopatológico para poder obtener un diagnóstico definitivo preciso en estas lesiones pigmentadas sospechosas.

Palabras clave: cavidad bucal, diagnóstico diferencial, lesión pigmentada.



ABSTRACT

Introduction: pigmented lesions of the oral cavity may be due to local, systemic, physiological or pathological factors. Diagnosis of these lesions is largely based on their color, location, distribution and clinical evolution, alongside other characteristics, such as medical, dental or family antecedents and drug use. Despite the fact that some lesions exhibit rather specific features allowing accurate diagnosis in just one clinical examination, other procedures should also be performed, such as biopsies and laboratory tests, to reach a reliable diagnosis and apply the appropriate treatment.
Objectives: the present bibliographic review is aimed at describing the main pigmented lesions of the oral cavity with emphasis on their differential diagnosis, an important element in their clinical management and treatment.
Methods: abibliographic review was conducted in databases PubMed/Medline, Lilacs and Scielo.
Results: the review revealed that oral and maxillofacial pigmented lesions may clinically simulate a melanoma or malignant lesion.
Conclusions: special attention should be paid to these lesions during clinical examination. Appropriate questions should be asked of patients in order to obtain relevant information about the case under study, acquire knowledge about the different types of oral and facial pigmented lesions, and determine the need for histological examination to reach an accurate final diagnosis.

Key words: oral cavity, differential diagnosis, pigmented lesion.


 



INTRODUÇÃO

A coloração da mucosa oral humana não é uniforme. Variações cromáticas podem ocorrer, dependendo do grau de queratinização, atividade melanogênica, número de melanócitos e vascularização.1 Assim, a pigmentação oral quanto a origem pode ser endógena ou exógena. No primeiro caso, os pigmentos são produzidos pelas próprias células do corpo e incluem a melanina e hemoblobina, por exemplo. Em contrapartida, quando um corpo estranho é implantado na mucosa oral fala-se em pigmentação exógena.2

As lesões pigmentadas da cavidade oral representam uma variedade de entidades clínicas que incluem desde alterações fisiológicas, como a pigmentação racial, à manifestações sistêmicas, caso da doença de Addison e ainda a presença de neoplasias malignas citando-se neste caso o melanoma.3

O diagnóstico dessas lesões que acometem além da cavidade oral os tecidos periorais, é um desafio, visto que, apesar de algumas de las serem detectadas apenas ao exame clínico, o diagnóstico definitivo confiável requer geralmente a avaliação histopatológica.3 Por isso, a anamnese de pacientes que apresentam tais lesões deve incluir a história médica e odontológica pregressa e atual completas, exames clínicos detalhados extra e intraorais, investigações em laboratório e ainda biópsia, em alguns casos.1,2 Tais quesitos também tornam-se essenciais para o estabelecimento de um diagnóstico diferencial.3

Dessa forma, a presente revisão de literatura tem como proposição apresentar as principais lesões enegrecidas da cavidade oral, descrevendo os seus aspectos clínicos e histológicos à medida que enfatiza o diagnóstico diferencial para cada uma de las, já que tal abordagem implicará diretamente na conduta profissional e no estabelecimento do tratamento adequado para cada paciente.

 

MÉTODOS

Este estudo caracterizou-se por uma busca bibliográfica nas bases de dados eletrônicos: PubMED/Medline, Lilacs, Scielo e Scopus, limitando-se a busca ao período de 2008 a 2013. Foram consultados 178 trabalhos e destes 19 foram selecionados após uma criteriosa filtragem. Como critérios de inclusão, foram adotados os artigos escritos em Inglês, espanhol e português, aqueles que se enquadravam no enfoque do trabalho e os mais relevantes em termos de delineamento das informações desejadas. Dentre os critérios observados para a escolha dos artigos foram considerados os seguintes aspectos: disponibilidade do texto integral do estudo e clareza no detalhamento metodológico utilizado. Foram excluídos da amostra os artigos que não apresentaram relevância clínica sobre o tema abordado e aqueles que não se enquadraram nos critérios de inclusão. Os descritores utilizados para busca foram: lesões pigmentadas, lesões enegrecidas e pigmentação oral. Foi adicionado ainda 1 livro considerado relevante para este estudo.

 

ANÁLISE E INTEGRAÇÃO DA INFORMAÇÃO

MELANOMA ORAL

O melanoma oral é um tumor extremamente raro e corresponde a menos de 1 % de todas as neoplasias malignas da cavidade oral, é decorrente da proliferação descontrolada dos melanócitos presentes na camada basal da membrana mucosa oral.4 Em contrapartida, quando acomete a pele, o melanoma corresponde ao terceiro câncer mais comum, apesar de ser menos agressivo.5 Geralmente, na cavidade oral, ocorre entre a quarta e a sétima década de vida, sendo mais incidente no sexo masculino do que no feminino.6 O local mais acometido é o palato, representando cerca de 40 % dos casos, seguido pela gengiva, que corresponde a um terço dos casos.7 Outros locais também podem ser afetados como o soalho da boca, e a mucosa bucal.4 A etiologia do melanoma é essencialmente desconhecida. A maioria deles surgem de novo, a partir de mucosa aparentemente normal, e cerca de 30 % são precedidos por pigmentações orais.4

Clinicamente, o melanoma pode apresentar-se como uma mancha assimétrica, placa ou nódulo de coloração fortemente enegrecida, de diâmetro superior a 6 mm, devido ao seu padrão de crescimento descontrolado, cujas bordas (geralmente em serrilhado - irregulares) e coloração apresentam-se irregulares variando de tons do marrom ao negro, branco, vermelho ou azul, à depender da quantidade e profundidade da pigmentação por melanina2,5 A lesão ainda caracteriza-se como assintomática, de crescimento lento, ou como uma massa de crescimento rápido, associado com ulceração, dor, sangramento e destruição óssea.2,5 Em alguns casos, os melanomas orais são amelanóticos uma vez que as suas células estão tão pobremente diferenciadas que se tornam incapazes de produzir melanina.5

Histologicamente, os melanócitos atípicos são maiores que os melanócitos normais e apresentam diferentes graus de pleomorfismo e hipercromatismo nuclear, sendo vistos inicialmente na junção dos tecidos epitelial-conjuntivo. As células lesionais podem se expandir ao longo da camada basal constituindo a fase de crescimento radial que representa o melanoma in situ e superficial, e podem invadir o tecido conjuntivo, caracterizando a fase de crescimento vertical que representa o melanoma nodular ou invasivo.5,6 Essas células invasivas do melanoma tem um formato fusiforme ou epitelióide e infiltram o tecido conjuntivo como cordões e feixes pobremente agregados de células pleomórficas. Além disso, se comparado ao melanoma cutâneo, as lesões orais tendem a ser mais infiltrativa, apresentando uma maior proximidade ou até mesmo a invasão dos vasos sanguíneos e linfáticos demonstrando o seu caráter extremamente agressivo.5

Um método bastante confiável para diagnosticar o melanoma oral é utilizando-se hematoxilina e eosina, porém em casos em que o pigmento é completamente ausente (melanoma amelanótico), a imunohistoquímica oferece uma ajuda significativa, sendo S-100, gp100 (HMB-45) e MART-1 (Melan-A) marcadores úteis.4 O tratamento envolve a excisão cirúrgica radical com margens amplas, entretanto, isto pode ser uma manobra difícil de realizar por causa das limitações anatômicas, especialmente devido à presença dos dentes. Embora os melanomas sejam considerados radioresistentes, estudos clínicos tem demonstrado que a radiação pode representar algum benefício como terapia adjuvante, porém menos eficiente quando usada como terapia primária.5

Mesmo raros, os melanomas orais representam uma doença grave e muitas vezes fatal.2 Eles tendem a ser mais agressivos do que seus homólogos cutâneos, o que acarreta um pior prognóstico.3 Do ponto de vista prognóstico, o estadiamento clínico do melanoma é provavelmente o fator mais importante para determinar uma média de sobrevida.4 Sendo assim, os melanomas detectados precocemente e removidos antes do desenvolvimento de metástases estão associados a um melhor prognóstico e maior taxa de sobrevida quando comparados com melanomas que metastatizaram para os linfonodos locais.5

Diante das similaridades encontradas entre as lesões pigmentadas, um sistema de avaliação «ABCDE» tem sido desenvolvido para o auxílio nas distinções clínicas. Este leva em consideração a assimetria, as bordas, coloração, diâmetro e padrão evolutivo. Dessa forma, o melanoma oral faz diagnóstico diferencial com o nevo melanocítico e tatuagem por amálgama.5


MELANOACANTOMA ORAL

O melanoacantoma oral ou melanoacantose é uma pigmentação adquirida benigna incomum na mucosa oral caracterizado por hiperplasia dos queratinócitos espinhosos e melanócitos dendríticos.3,5 Normalmente essa lesão ocorre entre a terceira e quarta décadas de vida, acometendo preferencialmente pessoas negras, do sexo feminino.3,8 Clinicamente, a lesão apresenta-se de forma bem circunscrita podendo ser plana ou levemente elevada, com coloração variando de marrom a preto. Esta lesão tem uma tendência para aumentar de tamanho rapidamente, contrastando com a maior parte das lesões pigmentadas benignas, que apresentam crescimento lento.8,9 Os locais mais acometidos são mucosa oral, lábio, palato e gengiva, respectivamente3. A maioria dos pacientes exibe lesões solitárias, embora o envolvimento bilateral ou multifocal também seja possível.5

Com relação à etiologia, acredita-se que a lesão seja um processo reacional e que não possui nenhum potencial maligno.10 Histologicamente, pode-se observar a presença de numerosos melanócitos dendrítricos benignos espalhados por todo o epitélio lesionado, bem como um aumento no número dessas células na camada basal. Espongiose e acantose branda são notadas, além de presença de eosinófilos e infiltrado inflamatório crônico de leve a moderado no tecido conjuntivo subjacente.5

O diagnóstico do melanoacantoma consiste basicamente nas suas características histopatológicas, sendo assim, é de grande importância a realização da biópsia incisional, tendo em vista a semelhança que esta lesão apresenta com o melanoma oral. Após o estabelecimento do diagnóstico, nenhum tratamento posterior é necessário. E em vários casos, as lesões sofrem resolução espontânea após a biópsia.5,11


TATUAGEM POR AMÁLGAMA

Tatuagens por amálgama são lesões pigmentadas e exógenas que ocorrem na mucosa bucal, geralmente, por introdução inadvertida de partículas de amálgama em tecidos da mucosa oral.1 Assim, o amálgama pode ser incorporado ao tecido de diversas maneiras. Áreas com abrasão prévia da mucosa podem ser contaminadas por pó de amálgama no interior dos fluídos orais. Pedaços de amálgama quebrado podem cair nos sítios de extração dentária. Se o fio dental for contaminado por partículas de amálgama de uma restauração colocada recentemente, áreas lineares de pigmentação podem ser criadas nos tecidos gengivais como resultados de procedimentos de higiene.

Em casos de retro-obturação endodôntica, o amálgama pode ser deixado no interior dos tecidos moles no sítio cirúrgico. Por último, partículas metálicas finas podem ser conduzidas através da mucosa oral por pressão das turbinas de ar e das brocas de alta rotação.5

Clinicamente, as lesões podem ser únicas ou múltiplas, apresentam-se como máculas de cor azul, cinza ou negra com tamanho variando entre 0,1 a 2,0 cm, localizadas predominantemente na mucosa gengival e alveolar mas também podem ser encontrados no palato duro, mucosa bucal e assoalho de boca.1,2,12 O diagnóstico desta lesão é geralmente baseado em observações clínicas, associados à presença ou história de restaurações por amálgama.13 As radiografias periapicais podem ser úteis na detecção de material radiopaco correspondente ao amálgama, mas esta característica é observada em menos de 25 % dos casos, tendo em vista que as partículas de amálgama devem ser suficientemente grandes para tanto.2,13,14

Histologicamente observa-se a presença de fragmentos do metal dispersos no interior do tecido conjuntivo. Podem ser vistos grandes fragmentos escuros dispersos ou numerosos grânulos finos marrom-escuros a enegrecidos. Quanto à reação biológica ao amálgama, parece está associada ao tamanho das partículas e a composição dos elementos do amálgama Os fragmentos grandes costumam se apresentar cercados por tecido conjuntivo fibroso denso com um leve infiltrado inflamatório. Já as partículas menores estão associadas tipicamente a uma resposta inflamatória mais significativa, que pode ser granulomatosa ou uma mistura de plamócitos e linfócitos. Em 50 % dos casos, não há reação inflamatória; entretanto, em outros, granulomas de células gigantes podem ser vistos. Os sais de prata do amálgama tingem preferencialmente as fibras reticulares, especialmente aquelas que cercam os nervos e canais vasculares.5

Caso os fragmentos de amálgama sejam detectados radiograficamente não há necessidade de tratamento, a não ser por motivos estéticos, porém não sendo encontrados fragmentos metálicos e a lesão não puder ser diagnosticada clinicamente, a biópsia torna-se necessária a fim de se excluir diagnóstico de lesões melanocíticas, principalmente, o melanoma.2,3,5


MÁCULA MELANÓTICA ORAL

A mácula melanótica oral é uma lesão pigmentada produzida pelo aumento local na deposição de melanina e, possivelmente, um concomitante aumento do número de melanócitos. A causa ainda não foi esclarecida. Diferentemente das efélides cutâneas (sardas), a mácula melanótica
não depende de exposição ao sol. Essa lesão pode ocorrer em qualquer idade, tanto em homens quanto em mulheres, entretanto, amostras de biópsias indicam a predileção pelo sexo feminino com idade média de 43 anos. Acomete principalmente o lábio inferior, podendo também ocorrer em mucosa jugal, gengiva e palato.3,5

Clinicamente a lesão é assintomática aparece como uma mácula oval ou redonda, uniformemente amarelo-acastanhada ou marrom, ocasionalmente, pode ser azul ou negra, bem circunscrita, e na maioria das vezes, seu tamanho não ultrapassa 1 cm de diâmetro, geralmente ocorre como lesões únicas, mas lesões múltiplas também podem ser encontradas.2,15

Histologicamente, é caracterizado por um aumento na produção de melanina pelos melanócitos basais, que por sua vez, possuem características morfológicas de normalidade. O pigmento de melanina também pode ser observado livre ou em melanófagos na porção superior da lâmina própria3. A mácula melanótica não necessita de nenhum tipo de tratamento, tendo em vista que essa lesão não apresenta potencial de transformação maligna, entretanto, uma biópsia excisional pode ser requerida com finalidade de diagnóstico diferencial, uma vez que, o melanoma em fase inicial apresenta características clínicas semelhantes, além disso ela pode ser confundida com os nevos azuis ou com a tatuagem por amálgama.16


PIGMENTAÇÃO RELACIONADA À DROGAS

A hiperpigmentação da mucosa bucal tem sido relacionada com o uso crescente de drogas. Embora muitos medicamentos estimulem a produção de melanina, outras substâncias como chumbo, bismuto, prata, mercúrio e arsênico originados pela intoxicação metálica sistêmica, tatuagens por amálgama, tinta e grafite, podem ser depositadas, alterando a coloração tecidual.17 No que diz respeito às pigmentações bucais resultantes das terapêuticas medicamentosas, a administração sistêmica e por períodos prolongados de determinadas drogas são responsáveis pelo surgimento de lesões maculares e áreas difusas multifocais de pigmentação.18 A cloriquina, pirimetamina, quinina, quinacrina e quinidina são drogas utilizadas como antimaláricos e em alguns casos também são empregados para o tratamento do Lúpus Eritematoso e da Artrite Reumatóide, estes medicamentos podem promover o aparecimento de lesões maculares com bordas bem delineadas, na mucosa oral.18

Além da pigmentação de tecidos moles, certos medicamentos também podem causar pigmentação dentária, como é o caso dos antibióticos da classe das tetraciclinas e seus homólogos, à exemplo da minociclina, que tem afinidade seletiva para deposição nos ossos e nos dentes, possivelmente pela formação de um complexo com íons cálcio na superfície dos microcristais de hidroxiapatita. Nestes casos, a porção do dente pigmentada é determinada pela fase de desenvolvimento dentário na época de administração da droga. Os dentes afetados apresentam uma pigmentação castanho-acinzentada que é mais acentuada na época da erupção.5.19 Além disso, pigmentações raras dos tecidos moles dos lábios, língua, olhos e pele também têm sido relatadas em associação com a minociclina. A utilização de contraceptivos orais também podem estar associado com a pigmentação perioral e intraoral. Pacientes portadores do vírus HIV, que fazem uso de azidotimidina podem apresentar lesões maculares circunscritas ou difusas na mucosa oral. Qualquer superfície mucosa pode estar envolvida, porém a gengiva inserida e a mucosa jugal são os sítios mais afetados.5,18

A clorexidina, um agente antibacteriano que reduz a formação de placa bacteriana dentária, pode causar manchamento nos dentes, mas esta pigmentação é considerada externa a superfície do esmalte.19 Como na maioria dos casos de hiperpigmentação, as mulheres são mais afetadas, especialmente pelas interações sinérgicas com hormônios sexuais17. As pigmentações causadas na mucosa oral devido ao uso destes medicamentos não são causadoras de problemas, embora possam ser desagradáveis esteticamente, uma vez que, além do manchamento dos dentes o uso da clorexidina pode causar alguns efeitos colaterais como manchas acastanhadas em restaurações, no dorso da língua, ardência, descamação e perda de sensibilidade oral, gosto amargo e interferência gustativa.20 Na maioria dos casos ocorre o desaparecimento gradual das áreas hiperpigmentadas a medida que é interrompido o uso da medicação.5


NEVO

O termo genérico nevo refere-se às malformações da pele (e mucosa) que são de natureza congênita ou de desenvolvimento. Os nevos podem surgir a partir do epitélio da superfície ou de qualquer variante do tecido conjuntivo subjacente. O nevo mais comumente identificado é o nevo melanocítico adquirido ou mole comum. Contudo, vários outros nevos de desenvolvimento também são reconhecidos (nevo epidérmico, nevo sebáceo, nevo flâmeo, nevo de célula basal e nevo branco esponjoso). O nevo melanocítico adquirido representa uma proliferação benigna e localizada de células provenientes da crista neural, frequentemente denominadas células névicas.5,16

Clinicamente, os nevos melanocíticos adquiridos começam a se desenvolver na pele durante a infância e a maioria das lesões cutâneas estão presente antes dos 35 anos de idade. As mulheres são um pouco mais acometidas do que os homens e os brancos têm mais nevos que os asiáticos e negros. A região de cabeça e pescoço representa um sítio comum de acometimento, porém lesões intraorais não são comuns. Dessa forma, quando surgem, o palato, fundo de vestíbulo ou gengiva são os locais mais afetados.2,3.5

Os nevos são classificados em juncional, intradérmico ou intramucoso sendo que este último representa a contraparte intraoral.2 Os nevos são pequenos e bem circunscritos, cuja apresentação mais inicial, chamada nevo juncional, é a de uma mácula marrom ou negra bem delimitada, com menos de 6mm de diâmetro. Embora essa aparência possa persistir até a vida adulta, mais frequentemente as células névicas podem se proliferar para produzir uma pápula levemente elevada.3,5 Porém, com o passar do tempo, o grau de pigmentação pode se tornar menos intenso enquanto a superfície um tanto papilomatosa e com pêlos podem ser vistos crescendo a partir do centro do nevo intradérmico.5

Com relação as características histopatológicas, as células névicas são células grandes, isoladas com núcleo ovóide, vesicular e citoplasma pálido. Os nevos melanocíticos são classificados de acordo com o relacionamento das células névicas com o epitélio de superfície e com o tecido conjuntivo subjacente2,5. Essas células então ,tendem a se agruparem em tecas, presentes nos estágios iniciais da lesão nas camadas basais do epitélio, principalmente nas pontas das cristas epiteliais3,2. Por serem as células lesionais encontradas na junção entre o epitélio e o tecido conjuntivo, esse estágio é conhecido como nevo juncional. À medida que as células névicas proliferam caminham para o interior da derme ou lâmina própria subjacente5, 3. Pelo fato das células estarem presentes ao longo da área juncional e no interior do tecido conjuntivo subjacente a lesão é então denominada de nevo composto5,3. Frequentemente, são observadas zonas de diferenciação por toda lesão, onde alguns autores classificam tais variações como células névicas tipo A, B e C. As células superficiais tipo A (epitelióides) apresentam um citoplasma abundante, com presença frequente de melanina intracelular e uma tendência de se agrupar em tecas. As células névicas tipo B (semelhantes a linfócitos) estão localizadas na porção média da lesão e são pouco pigmentadas; já as células névicas tipo C (fusiformes) estão situadas mais profundamente na lesão e com aparência de fibroblastos. Nos estágios finais, os ninhos de células névicas são encontradas apenas no interior do tecido conjuntivo subjacente. Pela localização das células lesionais no tecido conjuntivo, na pele este estágio é conhecido como nevo intradérmico. A contraparte intraoral, nevo intramucoso 2.

Nenhum tratamento é indicado para o nevo melanocítico cutâneo, já que eles tendem a regredir. Porém, se a remoção estiver indicada a excisão cirúrgica conservadora é o tratamento de escolha e os casos de recidiva são improváveis5. Em contrapartida, a biópsia é fortemente aconselhável para qualquer tipo de pigmentação oral, pelo fato de os nevos melanocíticos orais clinicamente poderem mimetizar um melanoma em fase inicial e ainda especialmente devido ao prognóstico extremamente sombrio do melanoma oral quando diagnosticado em seus estágios mais avançados.2.3,

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lesões pigmentadas como todas que se apresentam no organismo e em especial na cavidade oral necessitam de uma apurada investigação, pois algumas delas podem não ser lesões e sim pigmentações de ordem congênita e algumas desenvolvidas durante a vida do indivíduo. No entanto, outros podem representar o melanoma que constitui um tipo de câncer dos mais agressivos que acomete o ser humano, sendo assim muito importante a investigação à respeito do histórico familiar. Verifica-se que o profissional muitas vezes não questiona o paciente, por exemplo, com relação à evolução e duração da lesão.

Considerando-se a grande variedade etiológica, clínica e histopatológica das lesões enegrecidas que acometem a cavidade oral, enfatiza-se a importância de um correto diagnóstico, bem como, da adoção de manobras clínicas eficazes frente a estas lesões em busca do tratamento adequado. Sendo assim, torna-se patente ressaltar que as lesões pigmentadas na cavidade oral e região maxilofacial devem ser cuidadosamente analisadas, não só do ponto de vista clínico, onde sua forma de apresentação é muito semelhante uma das outras, mas principalmente a análise através do exame histopatológico, sendo a única maneira eficaz para um diagnóstico seguro, visto que muitos melanomas na cavidade oral são assintomáticos nos estágios iniciais, sendo somente diagnosticados, na maioria dos casos, depois do seu crescimento invasivo. Desta forma, os profissionais que lidam com tais alterações de pigmentação oral, diante de um olhar clínico criterioso devem examinar de forma minuciosa seus pacientes, a fim de estabelecer o correto diagnóstico, após o descarte de possíveis diagnósticos diferenciais.

 

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Recibido: 20 de noviembre de 2013.
Aprobado: 15 de febrero de 2014.





Dr. Rodrigo Gadelha Vasconcelos. Universidade Federal do Rio Grande do NorteUFRN, Brasil. Correo electrónico: rodrigogadelhavasconcelos@yahoo.com.br